«Não sei se ainda se lembram do «novo coronavírus», mas recentemente o mundo da baixa cultura itinerante – em que me insiro – sofreu, juntamente com os colegas feirantes, o revés de passar praticamente dois anos afastado dos palcos. Muitos trabalhadores de várias áreas da chamada estrada, desde músicos, técnicos de som e de luz, os que montam os sistemas de som, palcos e infra-estruturas essenciais para os concertos, roadies, agentes, etc., tiveram de reequacionar, readaptar e reinventar as suas vidas. Muitos deles desistiram da carreira, o que levou à actual situação de falta de pessoal para trabalhar nos concertos.
Alguns de nós receberam um subsídio da Segurança Social devido à substancial perda de rendimentos que a pandemia trouxe. Depois, também houve a iniciativa Garantir Cultura, a qual distribuiu, sem critério, dinheiro para se fazerem alguns projectos muito meritórios, alguns dos quais estive envolvido por convite e dos quais também beneficiei, apesar de nunca ter concorrido ao apoio. Foi preciso distribuir dinheiro pelo sector para o manter vivo, e isso alimentou muitas famílias e manteve alguns quadros técnicos e artísticos no activo.
Tal como se consegue observar através do caos que se tornou o sector da aviação com o despedimento desenfreado de pessoas qualificadas durante o pânico da pandemia, formar músicos, actores, criadores, bailarinos ou técnicos, tal como em qualquer outro ramo de actividade especializada, não é algo que se faça da noite para o dia – demora anos de dedicação e amor à camisola.
Manter viva uma orquestra que se dedica a preservar uma forma de música ancestral, ou uma companhia de bailado, não é menos importante do que manter um jardim público, um parque, uma praça de uma cidade ou um edifício histórico – garantir a existência da cultura viva é simultaneamente garantir que esta sobrevive e manter também vivas e alimentadas as pessoas que se dedicam a serem guardiões desse saber que passa de geração em geração.
No caso da música pop, o parente pobre do Ministério da Cultura no que toca a subsídios é provavelmente o maior contribuinte da área da cultura para o orçamento de Estado por direito próprio, através da sua comercialização enquanto produto cultural, e através de todas as actividades económicas que se desenvolvem à sua volta como concertos, festivais cheios de fãs alcoolizados e esfomeados que precisam de um sítio para dormir quando se deslocam pelo país, para não falar de todos os impostos associados a tais acontecimentos e o emprego gerado. (...)».
********************************
Uma pergunta que não nos larga: que fará o Ministério da Cultura com este conhecimento? Gratuito, senhores!
Sem comentários:
Enviar um comentário