quarta-feira, 13 de setembro de 2023

RECUPEREMOS O «MANIFESTO - POR UMA CULTURA PARA O SECÚLO XXI» | depois de termos lido isto: «Cultura pode ser o elevador social do século XXI como educação foi do século XX, diz Adão e Silva»|APROVEITE SENHOR GOVERNANTE! | REPARE NOS SUBSCRITORES ...

 

 


De lá, reproduzimos:

Manifesto - Por Uma Cultura Para o Século XXI

1. A atenção dispensada ao sector da cultura pela agenda política e governamental tem-se em geral caracterizado, desde o 25 de Abril de 1974, pelo menosprezo e pela inconsistência, apesar dos imperativos claramente expressos na Constituição. Ao longo dos últimos 35 anos, dificilmente se conseguirá identificar um programa de actuação planeado, coerente e capaz de dignificar a cultura portuguesa de acordo com um projecto claro e sustentado. A única tentativa de o levar a cabo de forma consequente ocorreu entre os anos de 1995 e 2000, sendo ainda hoje a solitária excepção à regra.

2. Foi também esse o período em que a cultura portuguesa assumiu uma vincada marca de cosmopolitismo, simultaneamente direccionada para o intercâmbio com os demais países de expressão lusófona e com os nossos parceiros da União Europeia, vindo este último movimento a traduzir-se na criação de um Plano Operacional da Cultura que então triplicou as habituais dotações orçamentais da UE para esta área, sendo assumido como um eixo decisivo de um programa de desenvolvimento equilibrado para o nosso país. O período de vigência desse plano concluiu-se em 2006, e lamentavelmente o POC foi extinto. Entretanto, as ambições do QREN que lhe sucedeu - 2007-2013 -pareceram esgotar-se na miragem de um horizonte tecnológico.

3. Nos últimos 10 anos tem sido sucessivamente prometido como horizonte realista para o financiamento do sector da Cultura a meta de 1% do Orçamento Geral do Estado. No entanto, essa meta nunca foi cumprida e está hoje mais distante e inatingível do que em finais do século passado. Como inevitável consequência de tal estado de coisas, as políticas e estratégias para a cultura desceram ao nível zero, apesar do dinamismo e da qualidade dos agentes no terreno. Do programa de governo publicado há quatro anos destacam-se excelentes propostas que nunca foram cumpridas; da acção do governo nesta área destaca-se o episódico anúncio de iniciativas nunca antes propostas. A decepção é geral.

4. Com efeito, o decréscimo de investimento na área da Cultura, não gerando qualquer poupança significativa aos cofres de um estado que se mostra pródigo e perdulário perante outros sectores económicos, como exemplos recentes demonstram, aumenta significativamente os custos da ignorância, da insociabilidade, do isolamento e do correspondente atraso estrutural. Pois a Economia da Cultura raramente é discutida, ou sequer pensada, nas suas mais óbvias e elementares consequências: quanto custa o desprezo pelo património, a indefinição de uma política museológica, a insegurança das carreiras artísticas, a indecisão de objectivos e prioridades, a errância das políticas?

5. A Cultura não é decoração ou ornamento. É produção de saber e de sentido, é formação da percepção e da sensibilidade, é a condição e o resultado da Educação. É ao mesmo tempo um penhor do passado, uma via para o futuro e um diálogo entre todos os tempos. É factor de dinamização e de coesão social. É aquilo que estrutura os valores e a identidade nacional – uma identidade que é necessariamente forjada no contacto, por vezes até no conflito, com outras identidades, e que tem portanto de ser permanentemente reinventada. É esse o contínuo labor de quem trabalha nesta área, onde a ideia de serviço público encontrará porventura a sua melhor expressão.

6. Não cabe ao mercado suprir as funções do Estado. Sem uma intervenção responsável do Estado, que seja simultaneamente estrutural e estratégica, não pode existir uma política cultural digna desse nome: a defesa do património, o apoio à criação e à internacionalização, a garantia da diversidade, o direito à plena fruição cultural, não podem ser deixados ao sabor das flutuações ou constrangimentos do mercado. E, sobretudo, não podem confundir-se os produtos do mercado com a salvaguarda e dinamização de uma cultura identitária e criativa. Sem uma estratégia para a Cultura, não há uma estratégia para o país.

7. A Cultura é por isso demasiado importante para que possa ser impunemente entregue à casuística e às decisões tomadas ao sabor das circunstâncias. Uma política cultural digna desse nome tem de ser orientada por princípios de racionalidade e por uma estratégia independente das contingências eleitorais. Por conseguinte, as propostas políticas para o sector da Cultura não deveriam ser gizadas com vista a uma mera disputa eleitoral. Elas têm de ser orientadas por objectivos mais abrangentes, públicos e visionários.

8. Uma política cultural digna desse nome deve – até por imperativo constitucional – permear todas as restantes áreas de acção do Governo. Não pode reduzir-se a intervenções casuísticas relacionadas com o Turismo ou a Economia, e muito menos estar subordinada à lógica destas. Exige, pelo contrário, uma articulação persistente e ágil, especialmente com o sector da Educação, cujas batalhas nunca serão ganhas sem a participação plena da Cultura em todos os graus de ensino e de aprendizagem.

9. Acresce que, especialmente em épocas de crise, a Cultura pode ser uma área prioritária de investimento. Para tal, o país dispõe de excepcionais recursos humanos, acrescidos todos os anos, e que estão subaproveitados e desalentados. Dispõe também de uma rede de equipamentos recentes que devem promover a descentralização, o multiculturalismo e a internacionalização. O que falta é uma orientação sagaz, actual e determinada, que corrija os retrocessos dos últimos anos e entenda a pertinência estratégica desta área com uma visão prospectiva e capacitante. Caso contrário, todos os magros factores de riqueza se transformarão quotidianamente em desperdício.

10. No campo do cinema e do audiovisual, por exemplo, o que sempre persistentemente se exigiu aos diferentes governos foi a implementação de políticas activas no sector que, no campo da produção, defendam a natureza e especificidade da criação portuguesa e, na distribuição, os interesses dos espectadores portugueses, os quais devem ter acesso a uma imagem diversificada do que é a produção internacional nesta área. No presente, isso passa inevitavelmente pelo reforço da sustentação financeira do sector, reequacionando o papel da televisão pública e do sector das telecomunicações, também ele distribuidor cinematográfico. Uma articulação estratégica dos sectores da cultura e da comunicação é, hoje, um imperativo incontornável.

11. No campo do livro e da leitura, face às profundas alterações do mercado, é urgente respeitar a periodicidade da revisão das leis do Preço Fixo do Livro e da Cópia Privada, reavaliar a questão do Porte Pago dos livros e da incidência fiscal sobre os mesmos, criar condições para que a exportação de livros para os países de língua portuguesa se torne praticável, internacionalizar as obras dos autores portugueses mantendo o programa de apoio à tradução de autores portugueses para línguas estrangeiras e reforçando a presença da DGLB e do Instituto Camões nas principais feiras do livro internacionais com a indispensável articulação com os organismos do Ministério da Economia, fortalecer o orçamento e a acção do Plano Nacional de Leitura e da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, e apoiar decisivamente a modernização e o alargamento da rede livreira tradicional e das livrarias independentes, também, nestes últimos objectivos, em conjunção estreita com as outras responsabilidades nestes sectores, nomeadamente o Ministério da Educação, o Ministério dos Assuntos Parlamentares, as Autarquias, o Ministério das Finanças e o Ministério da Economia.

12. No campo do património e da museologia, o Governo multiplicou-se em intenções tão variadas como discricionárias, de resto inexplicavelmente repartidas por várias tutelas, sem inscrição nem no programa do governo nem numa política adequada ao sector, assistindo-se, também aqui, a uma desorçamentação cada vez mais grave, que ilude a noção de que os museus têm de continuar a ser lugares de elaboração de saber, científico, museológico e educativo. Por outro lado, a reorganização de serviços e competências gerou novos e graves problemas, como no caso da dissolução das responsabilidades da extinta Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre o IGESPAR e as várias delegações regionais de cultura. O Estado está a perder os contributos de uma geração de técnicos altamente capacitados e demorará décadas a repor esta alienada capacidade de planeamento, gestão, fiscalização e acompanhamento operacional. O meritório esforço de diversas autarquias esbarra assim na incapacidade do Ministério da Cultura para articular e superiormente representar as dinâmicas em presença, quer em relação à Rede Portuguesa de Museus, quer à salvaguarda e valorização dos patrimónios edificados e dos centros históricos. Nem os monumentos consagrados como Património Mundial pela Unesco têm escapado a este generalizado demissionismo. Agora, com a alteração proposta de um novo Regime Geral dos Bens do Domínio Público, entregam-se aos privados desmesuradas responsabilidades na gestão da salvaguarda de bens patrimoniais classificados, competências e garantias que são, e deverão continuar a ser, estruturalmente do Estado.

13. O panorama não é mais animador no campo das artes performativas, sistematicamente suborçamentadas e dependentes de orientações erráticas e inconsequentes, mas agora também sujeitas a uma inédita burocratização de processos – em tudo contrária, de resto, à desburocratização apregoada pelo governo para outros sectores. Continua ainda por definir um estatuto das carreiras artíticas que concilie a precariedade e a mobilidade inerentes a essas actividades com o reconhecimento de um estatuto profissional adequado e um são relacionamento com a Segurança Social. Mas as artes precisam de mais: carecem de uma intervenção estratégica que as conceba como lugares de invenção e experimentação – com todos os riscos que isso comporta –, mas que o mesmo tempo entenda o seu valor na formação, na educação, na coesão social. A sua circulação e divulgação, particularmente nos demais países lusófonos, nunca foi tão escassa, é urgente contrariar este estado de coisas.

14. E entretanto nunca se convocou, desde 2000, o Conselho Nacional de Cultura, instrumento indispensável de governação competente e democrática, prevista na lei orgânica do ministério e onde estão representados os consumidores, as fundações, e as autarquias, além de diversas e eminentes personalidades da cultura portuguesa.

15. É assim urgente que seja considerado um imperativo nacional, naturalmente trans-partidário, que a Cultura tenha no seu Ministério o exemplo da sua indiscutível dignidade. É exigível que se redefina e se dê finalmente conteúdo a uma verdadeira Política Cultural, que se estabeleçam objectivos, clarifiquem funções, assumam responsabilidades e metas. E que o discurso politico, em vez de as fomentar – pela sua gaguez ou pelo seu excesso retórico – estanque o cíclico uso e abuso de “novidades” e de “anúncios” que apenas desresponsabilizam em relação à necessária maturação dos meios de produção, de criação, de circulação e de consumo culturais.

16. Desafiamos pois os partidos e as organizações políticas a que, no período eleitoral que se avizinha e nos programas que venham a apresentar a sufrágio, avancem propostas claras sobre estes temas, que necessitam de ser pensados, não sob a pressão de circunstâncias efémeras, mas com uma autêntica visão de futuro.

17. Os signatários, unidos por estes princípios e preocupações, animados por um genuíno pluralismo e pela convicção da crescente importância das actividades culturais no actual contexto de crise financeira, económica e de valores, irão suscitar o debate público em torno destes problemas, procurando alargar a reflexão acerca deles e tendo em vista a refundação das políticas culturais do Estado Português.
 
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Veja aqui

Já agora, Senhor Ministro,  atente nestas palavras de Churchill: 

«(...) a mítica resposta de Winston Churchill a um membro do seu Governo, em plena II Guerra Mundial, quando questionado sobre se seria preciso reduzir verbas da Cultura face ao imparável reforço financeiro militar: "Evidentemente que não! Então para que serviria travarmos esta guerra?" (...)». É mais do que elevador social, não é senhor Governante!

 

 

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