ANTÓNIO CARLOS CORTEZ, PROFESSOR E POETA'AS ELITES DESPREZAM OS ARTISTAS'
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Uma população com horizontes culturais mais amplos seria, consequentemente, mais reivindicativa e exigente para com as elites, nomeadamente as que nos governam?
Sem dúvida. As nossas elites políticas são fruto de uma espécie de regime de castas. As classes endinheiradas têm de proteger os privilégios de classe e uma das formas de o fazer é gradualmente empobrecer os seus governados, quer do ponto vista cultural e das referências históricas, quer quanto a uma certa visão crítica do mundo. A tradição portuguesa não é a tradição francesa, que desde sempre foi a de sair à rua para reivindicar direitos e defender a República. A vitalidade da sociedade francesa é um modelo de cidadania ao nível europeu. Dou-lhe o exemplo de um eurodeputado. É um cargo com responsabilidades, mas muito bem remunerado. É uma espécie de prémio de carreira, no seguimento de percursos unipessoais. Como é que isso se compaginaria com um povo mais culto, mais crítico e mais lido? Se Portugal fosse um país diferente, existiria a forte probabilidade de haver no nosso país gente do povo a fazer frente a essa oligarquia de poder. Por isso, é que considero que as reformas educativas têm sido sempre para empobrecer e para estar “up to date” com as supostas diretrizes progressistas das instituições internacionais. Já estamos e vamos continuar a pagar um preço caro por isto.
Entramos na parte do ensino, que conhece bem e, de forma regular, tem manifestado o seu descontentamento com o rumo que tem sido seguido. De uma forma geral, o que é que tem sido mal feito?
O ensino está de rastos. Os nossos adolescentes e jovens adultos, licenciados, mesmo com mestrados e até com doutoramentos, são, na maioria dos casos, gente muito ignorante. São eleitores ignorantes e confirmam o que, a meu ver, é um projeto de poder. Os governantes, no fundo as oligarquias e as elites, os carreiristas dos partidos, se quiser, sabem perfeitamente que só manterão os seus privilégios de classe se tudo for uma mesma massa acéfala que paga impostos e pede empréstimos a bancos.
«A geração mais bem preparada de sempre» é apenas uma frase bonita para consumo interno?
Essa é uma frase para consumo político, propaganda e mentira. Se falar com professores, seja de que grau de ensino for, todos lhe vão dizer que a atual geração está mal preparada, não sabe escrever, não lê e não dispõe de referências histórico-culturais. Depois da pandemia, os jovens estão muito mais fragilizados.
Foi precisamente na pandemia que se acumularam atrasos nas aprendizagens e abriu-se uma enorme avenida para o digital. Quais são os efeitos disruptivos que identifica no sistema de ensino?
A pandemia foi uma oportunidade para se experimentar aquilo que a breve trecho será o mercado de trabalho em que as pessoas são, no fundo, empresárias de si próprias. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han escreveu um livro intitulado «No enxame – Reflexões sobre o digital», em que prova que a digitalização é uma nova forma de dominação dos povos, absolutamente esmagados por uma ideologia tentacular em que todos funcionamos em rede. No caso da educação a pandemia acelerou uma formatação ou padronização dos métodos de ensino e do pensamento docente que está hoje transformado numa espécie de pensamento-gestor. Transformar tudo em gestão traduz-se no empobrecimento geral do espírito crítico. Não há História, não há Filosofia, não há Artes. Tudo é pensado para efeito de sucesso contabilístico, estatístico e “rankings”. E a escola é a consequência disto, transformada em fábrica do tudo igual, com exames cada vez mais fáceis, para que o país apresente resultados positivos internacionalmente. (...)». Leia na integra no Ensino Magazine.
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