Destaquemos esta passagem:
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3. Políticas de Estado democráticas e “amigas” da memória e do património
Se temos boa legislação geral de enquadramento (ainda que apenas piedosa muitas vezes e depois mal servida por legislação de desenvolvimento), já o mesmo não podemos dizer das políticas de Estado, nomeadamente dos governos centrais. Seja qual for o indicador, estas revelam-se despontadoras. No plano do relacionamento com a chamada “sociedade civil” do sector existe quase sempre o sentimento de fortaleza ameaçada. Passadas as décadas imediatas ao 25 de Abril de 1974, acabou-se com os órgãos de consulta do poder político e dos organismos da Cultura independentes e representativos. Para quem viveu a Revolução dos Cravos, os recuos verificados são quase ofensivos: políticos e altos dirigentes administrativos ouvem-se a si mesmos, em circuito fechado. Apenas têm medo da comunicação social, sendo que esta se entrega cada vez mais aos escândalos e faits-divers. E assim se acrescentam pregos ao que os carentes de sidonismo e os saudosos de salazarismo desejariam ser “o caixão da democracia”. No plano das políticas activas de promoção patrimonial, e dos meios financeiros postos ao seu serviço, aí então nunca.
4. Intelligentzia: capacidade de reflectir com seriedade e espírito crítico, sem concessões nem ao obscurantismo dos interesses instalados nem ao populismo Não iludamos, porém, as responsabilidades que nos cabem a nós também, cidadãos e movimento associativo. Falta-nos com demasiada frequência a adultícia própria de quem estuda seriamente os assuntos, refecte e exerce plenamente o seu espírito crítico. É tão fácil, mas afinal tão infantil, reclamar por tudo e contra todos, como se estivéssemos permanentemente em conversa de café… e é tão fácil também aceitar alegremente participar em encenações de suposta democracia, como são actualmente os conselhos consultivos do Governo na área do património cultural, onde os “bons espíritos” se encontram e cavaqueiam, sem cuidarem de saber que verdadeiramente não se representam senão a si próprios, aos amigos que encontram em vernissages ou aos poderes políticos que os nomearam — e que sempre souberam e saberão escolher dentro da esfera do que entendam ser tolerável. Não que os cidadãos ou o movimento associativo tenham de ter sempre na manga soluções técnicas para tudo o que acham estar mal. Não que tenham de ser façanhudos, irascíveis ou descorteses no convívio social. Nada disso: o problema é que temos de filtrar o sentimento do “estar mal” com a reflexão profunda sobre o que está mal e porque está mal. E temos também de ser consequentes na nossa afirrmação cidadã, recusando pactuar com encenações em que cada poder de turno lava as mãos com o seguinte. Espírito crítico e independência, pois, exigem-se de todos. Sem concessões nem ao obscurantismo dos interesses instalado, nem ao populismo do “bota abaixo” e das soluções fáceis. E exige-se sobremaneira aos dirigentes associativos, porque só assim seremos plenamente adultos».
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