«LIVRO
Há uma cama muito estreita. Ali se apertam uma mulher e um homem, abraçados. Não sobra espaço para mais nada a não ser para aquelas duas pessoas, quase sobrepostas. Poderíamos procurar erotismo neste desenho, mas trata-se sobretudo de humor. Até porque a questão existencial deste par é a necessidade de comprar uma cama maior. Precisam mesmo de mais espaço? Talvez. E talvez seja um autorretrato do ilustrador André Ruivo, acompanhado. Sim, este é em parte um livro diarístico, com os últimos dois anos da vida do autor a passarem à frente dos nossos olhos. Noutra página do novo “Vida de Artista”, vemos um casal nu, em cima de uma cama já muito maior. Desta vez o desenho dispensa palavras. Ele está de barriga para baixo, a tentar dormir ou a desesperar. Ela está a olhar para um telemóvel. Pausa para um minuto de silêncio por tudo o que se perde de Humanidade, nos labirintos desta omnipresença de suposta comunicação. Por falar em necessidade de mais espaço e de mais tempo, a questão da habitação é já um problema que cruza gerações, em Portugal como em muitos outros países. Na imagem trazida para esta revista, o pai e a mãe de André Ruivo surgem sob a forma de aparição, prontos para fazer esta pergunta difícil: “O quê?! Ainda vives na nossa casa?”
O filho que responde que sim nasceu em 1977. E é um dos ilustradores portugueses mais originais. Pratica um humor fino, onde cabe a caricatura ao espelho. E mesmo quando a própria situação parece desanimadora, dá o exemplo e demonstra que mais vale rir. Além desse lado mais pessoal, Ruivo também comenta a política nacional e internacional, o amor, a precariedade laboral, os futebóis, os pequenos acontecimentos do quotidiano, uma certa melancolia que talvez faça mesmo parte disto de sermos portugueses. (...)».
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