quarta-feira, 4 de maio de 2022

DE RAQUEL VARELA | «JE SUIS COSMOPOLITA!» | Em especial para quem está preocupado com isto:«Quando a crítica legítima e salutar às posições do PCP deixa de ser um debate aberto e se transforma numa campanha anticomunista primária»

 

 
Excerto: «(...)Confesso que sou leitora assídua de Mário Vargas Llosa e ele foi apoiante da ditadura no Peru. Não jantaria com ele, e ele certamente não quereria jantar comigo, mas a obra e o homem não são o mesmo. O Ocidente, a começar pelos Estados que aqui reinam, têm muito a aprender sobre liberdade e quase nenhuma lição a dar nesse campo. Leio Llosa, leio Althusser, porque é um autor importante na minha área e do qual discordo, e que matou a mulher antes de se suicidar, e nunca deixarei de ler apaixonadamente Balzac, um reacionário confesso. No reino de Estaline, de Putin e das instituições ocidentais que aderiram a esta tese, os artistas são do Estado, estão ao serviço de uma causa. No reino da liberdade não. Quando esquecemos isto?

É-me indiferente se um realizador de cinema russo é apoiante ou não de Putin. Não o defendo a ele, defendo a sua obra. O mesmo para um desportista. 

O que nos custa a admitir é que desde a “guerra ao terrorismo”, passando pelas medidas de gestão da pandemia e agora da guerra da Ucrânia, e antes, o que se tem imposto nas sociedades ocidentais é o cancelamento dos opositores, a impossibilidade real de contraditório e a criação de uma caricatura “pura” de gente que só existe nos frios decretos das instituições.

Outrora de pomba branca na lapela, vejo como a vontade bélica destronou, para tantos, os princípios essenciais da liberdade. O lema é: vale tudo para derrotar Putin, até ficar como ele. Olho por olho, dente por dente. Há os que defendem hoje a expulsão de cidadãos russos das artes, ciências e desporto, não fazendo distinção entre uma ação dos Estados e a punição de povos. Os que olham para o lado quando nos impõe censura ou transformam os órgãos de e maldizem e difamam qualquer contraditório, para assim fazer face à propaganda russa. Quando vejo figuras públicas denunciar um jornalista – Bruno Amaral de Carvalho – que trabalha, entre outros, para a CNN como “apoiante dos russos”, sinalizando-o para as forças ucranianas, pondo em risco a sua vida (felizmente o ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Alfredo Maia veio alertar para esta grave situação). Quando a crítica legítima e salutar às posições do PCP deixa de ser um debate aberto e se transforma numa campanha anticomunista primária. Quando os vídeos de uma força neonazi – o Batalhão Azov – são mostrados e referidos, em horário nobre!, como sendo a única fonte para mostrar a libertação de civis em Mariupol, recordo-me do Oradour-sur-Glane, que visitei, em que os habitantes foram queimados vivos pela 2ª divisão Panzer (das SS nazi) – a mesma divisão cujo símbolo, uma suástica estilizada, inspirou o símbolo ostentado hoje pelo Batalhão Azov. Os governos e os media explicam-nos que deixou de ser nazi por decreto, ao ser incorporado nas forças regulares. Seria cómico se não fosse trágico. O fascismo abolido por decreto! Os monstros da história transformados em soldados honrados de um dia para o outro. (...)». Leia na integra.


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