Excerto: «(...)
Passo por cima da adjetivação: posição “inaceitável, esdrúxula, insuportável, revoltante”, nas tuas palavras. Entendo a violência destas qualificações como uma espécie de tributo a pagar ao macartismo reinante. Qualquer referência ao PCP sem ser nesses termos seria porventura entendida como contrária ao esforço de guerra do Ocidente e sujeita a todos os vitupérios nas redes sociais e fora delas.
A posição do PCP, em teu entender, merece essa qualificação, porque o PCP teria “posto em causa que houve uma invasão”, logo, isso equivale a uma não condenação. Ora, caro Daniel, nada legitima essa conclusão. Desde logo porque, se nem todos os dirigentes do PCP qualificaram a guerra da Ucrânia usando o termo invasão, houve outros, não pouco responsáveis (e nem me refiro a mim próprio), que o usaram. Mas mais importante que o termo usado, seja invasão, guerra, conflito, ou seja o que for, o facto é que não houve um único dirigente do PCP que se tenha pronunciado que não a tenha condenado.
É curioso que os comunistas, que sempre foram acusados pela comunicação social mainstream de dizerem todos o mesmo (a cassette) agora são acusados de dizer coisas diferentes, e como não usaram todos o substantivo comum “invasão”, foram condenados a não ter condenado aquilo que inequivocamente condenaram.Adiante na tua crónica consideras que o PCP terá baseado a sua posição em três argumentos, a saber: a) a Ucrânia não é democrática; b) a questão da segurança da Rússia; c) a discordância com o armamento da Ucrânia.
São de facto três questões que o PCP tem vindo a referir e que são questões relevantes. O problema é que o PCP não apoia a invasão. Condena-a. E portanto, é totalmente abusivo dizer que o facto de alguém (neste caso, um partido) pretender contextualizar um assunto aduzindo factos que são deliberadamente ignorados pelo maniqueísmo reinante, significa apoiar uma invasão.
Mas vejamos cada um deles: que a Ucrânia não é democrática, que quase todos os partidos estão ilegalizados (o Partido Comunista desde 2014) e que forças político-militares assumidamente nazis foram integradas formalmente nas Forças Armadas ucranianas não é questão de opinião. É factual. Mas não ignorar isso, não significa apoiar uma invasão. Afirmas e bem, que o PCP não apoiou a invasão do Iraque apesar de Saddam ser quem era. Tens razão. O PCP nunca apoiou invasões externas para mudar regimes políticos, e no caso da Ucrânia também não apoia. Haverá em Portugal quem, depois de durante muitos anos ter colocado Putin num pedestal, o derrube agora para colocar Zelenski no seu lugar. Mas o PCP, que nunca colocou Putin em nenhum pedestal, também não se sente obrigado a erguer estátuas a Zelenski para expiar pecados que nunca teve.
A segunda questão diz respeito à segurança da Rússia. Escrevia Mário Soares em 2008, perante o alargamento da NATO para leste, que isso não poderia deixar de ser sentido pela Rússia como uma ameaça. Escreveu Kissinger também já há alguns anos que a Rússia nunca poderia consentir a entrada da Ucrânia na NATO. Não ignorar este facto é apoiar uma invasão? Não é. O vendaval de críticas ao PCP e a muitas personalidades que referem o alargamento da NATO para leste como uma das causas desta guerra não tem nada a ver com qualquer apoio à invasão da Ucrânia. Deve-se ao facto de os poderes dominantes, incluindo a comunicação social mainstream, não suportarem qualquer crítica ao papel da NATO, dos EUA e da UE enquanto potências agressivas e ameaças à paz mundial. (...). continue a ler.
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