Cá estamos de novo, com um contexto político velho no que se refere à cultura e às artes. Só nos resta COMEÇAR DE NOVO - e foi da canção de Ivan Lins que nos lembrámos hoje de manhã neste dia depois das eleições. Em Portugal a CULTURA é um setor frágil que é afetado por qualquer alteração institucional, contrariamente aos Países onde há uma intervenção estatal estruturada. Um Ministério da Cultura digno desse nome. Em boa verdade, em particular, quando se luta pela sobrevivência não se pode exigir aos profissionais que se ocupem das reivindicações com o tempo necessário. Mas, parando um pouco, e basta olhar para o que se passou na campanha eleitoral, facilmente se conclui que não resta ao setor e às populações em geral outra coisa que não seja trabalhar por um CHOQUE CULTURAL (para utilizarmos expressão que já foi usada no passado e que nunca deixou de ser atual). E por esta altura lembrámos uma vez mais as palavras de Gramsci:
Entendamo-nos, na Cultura à semelhança dos outros Setores, na senda de um SERVIÇO PÚBLICO DE CULTURA e de uma INDÚSTRIA CRIATIVA (a ponderar como as demais) há que elaborar um PLANO CULTURAL com, ao mesmo tempo, MEDIDAS IMEDIATAS e INTERVENÇÕES ESTRUTURANTES. Por outro lado, e querendo participar como lhe é devido, o SETOR tem de se REORGANIZAR para requalificar exigências ... Com o que sabemos, NÃO SE PRECISA DE FICAR À ESPERA. E parece avisado não estagnar nos processos a seguir. Há que inundar de forma criativa! É isso, há que inventar «tempo» - ou seja, senhores agentes culturais continuem a fazer milagres ... Antecipadamente, os nossos agradecimentos.
Neste quadro, andámos a deambular pelos posts do Elitário Para Todos. Do que fomos encontrando..., ao acaso, e que dará jeito para os dias de hoje:
Do Post «RESISTÊNCIA»
«(...)
Álvaro Cunhal terá dito a Petrova, filha de um dirigente
soviético, acerca da experiência prisional: “Isolado, separado dos seus
camaradas, o homem não sabe se conseguirá ainda alguma vez na vida sair à rua,
sentar-se num banco, recostar a cabeça, olhar o céu enorme.” Nada mais claro
que esta confissão de fragilidade, só um grande resistente a faria».
Não sou dado a mitificações e o Álvaro Cunhal combatia, como
sabemos, o culto da personalidade e exercitava uma reserva solidária no estilo,
era alguém que se dizia revolucionário profissional e evitava entretenimentos
fabulares em torno da vida pessoal, o que, em boa verdade, espicaçou em muitos
o desejo contrário. Era um homem invulgar, uma figura absoluta de resistência,
de insistência determinada no combate e consistência nas razões e visões desse
combate. Estive perto dele algumas vezes, numa reunião, acerca das
possibilidades do teatro no Alentejo, ali por 75, reunião em que ele anotou num
caderninho escolar o que íamos dizendo acerca dos preconceitos que existiam, na
Lisboa centralista, relativamente ao lançamento de uma actividade artística
numa região deserta de cultura artística. E lembro-me da primeira digressão
alentejana por terras da Reforma Agrária. Um aperto de mão inacreditável de
firmeza e uma mão ampla. Detalhes, mas no detalhe está também um sinal do
conjunto dos comportamentos. E o que mais me seduz, nessa viagem agora em
direcção ao passado com os olhos virados para a frente – e nunca o capitalismo
esteve tão agressivo e radicalizado na sua vocação antidemocrática e
anti-liberdades, anti-humana e anti-comunitária, de 45 para cá, capaz de
sujeitar a humanidade a um apocalipse - é pensar a diversidade das formas dessa
resistência: a tese de licenciatura sobre o aborto, os ensaios sobre a
estética, a tradução do Rei Lear, o livrinho sobre as lutas de classes na idade
média, o interessante “radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista”, a
questão agrária, os magníficos desenhos, etc. Essa diversidade, mantida na sua
coerência interna uma unidade de pensamento aberta à possibilidade de um novo
não pré feito, é algo de facto único. Poucos dirigentes foram assim feitos de
tanto vário e de, nessa multiplicidade de interesses, plasmarem o ser - talvez
Gramsci, estranhamente pouco amado para além de Itália, seja adequado referir
aqui. Essa multiplicidade constitutiva da acção e interesses é um sinal que
muitos deveriam seguir, atentos. A vida não é o caminho estreito de um combate
feito nos carris de uma contrarresposta mecânica, a vida é a multiplicidade das
formas da sua existência e não devemos apequená-la, o combate é múltiplo e
muito mais complexo que a sua redução a uma agenda contraposta da do inimigo. Hoje
é muito óbvio que a resposta taco a taco, no plano da arena mediática, é um
empobrecimento e uma redução do universo da política ao próximo clichê
possível.
Esta é a minha herança de Álvaro Cunhal, uma herança assente
numa multiplicidade também dos contextos da práxis política, desde os tempos do
Socorro Vermelho aos de ministro de Estado sem pasta nos primeiro Governos pós
Abril, mas cuja determinante é justamente a da riqueza da diversidade dos
contributos, com uma grande incidência nas práticas artísticas que, insisto,
não devem ser entendidas como coisa secundária, nem apenas como algo próprio de
alguém excepcional, mas como horizonte prático de todos nesse comum por vir que
se deve gerar todos os dias numa óptica real de mudança.
O que explica o interesse pelo Rei Lear, uma tragédia sobre a problemática da herança – questão
central e ligada à lógica essencial e vital da continuidade do projecto de vida
em simbiose com o projecto ideal- em que, Cordélia, a herdeira mais dedicada, é
posta de lado por lhe faltar o “teatro de afectos” suficiente para enganar o
Rei, como fazem as duas irmãs mais velhas?
Imagino quanto não terá sido difícil, muitas vezes, ver
largo no apertado caminho possível de uma luta de classes conduzida no espaço
restrito da clandestinidade, esse espaço sem liberdade e sem, por assim dizer,
possibilidade de informação abrangente e referencial livres, e gosto de pensar
nessa extraordinária forma de resistência que é a escrita, o estudo e até um
invulgar trabalho de tradução de Shakespeare num universo prisional. É de facto
uma capacidade limite e uma atenção à especificidade do que é a arte como
característica essencial do humano.
*
* *
Numa perspetiva técnica, talvez seja de recomendar aos movimentos que temos ( e aos que é desejável que apareçam) na luta por novos pensamentos e ações na CULTURA E NAS ARTES que se lance mão do orçamento-base-zero (equivalente à orçamentação por programas prevista na Constituição da República) para de forma segura se exigir MUDANÇA ...Começar por ambicionar um PONTO DE PARTIDA COMUM onde não se confunda o imediato com o longo prazo. Onde não fiquemos (compreensivelmente) «contentinhos» com esta ou aquela medida que possa beneficiar este ou aquele agente individual ou coletivo... Contudo, medidas de emergência são necessárias - para não agravar a doença, para que depois se possa desenvolver a intervenção que cura.
Ah, lembremos, do tanto que se podia trazer para aqui estas palavras de António Sampaio da Nóvoa no encontro promovido pela CDU: "Espanta-me a quase ausência ou fraca presença destes temas no debate
político, fala-se sempre das mesmas coisas, ignorando o mundo à nossa
volta. Parecemos cegos. A cultura que aqui nos reúne não serve para
entreter, serve para criar, pensar, acordar e nos ajudar a ver o que
ainda não vemos. Hoje, mais do que nunca, o que me interessa são os
direitos humanos"
*
* *
Uma pergunta simples, que quer indagar muito: quem em Portugal tem obrigação de no Teatro nos dar a conhecer os clássicos?
Sem comentários:
Enviar um comentário