quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

CARTA ABERTA DE CASTRO GUEDES AO PRIMEIRO MINISTRO E À MINISTRA DA CULTURA |«Ora, acalentei esperanças quando ouvi o Senhor Primeiro-Ministro – em almoço público nos Fenianos, no Porto – anunciar que isso mesmo ia acabar, pois companhias com o património histórico (como o da Seiva Trupe) não podiam continuar sujeitas a tal arbítrio»

 

Leia aqui, no Público

 

Passagem:«(...)  Ora, acalentei esperanças quando ouvi o Senhor Primeiro-Ministro – em almoço público nos Fenianos, no Porto – anunciar que isso mesmo ia acabar, pois companhias com o património histórico (como o da Seiva Trupe) não podiam continuar sujeitas a tal arbítrio: por elas e o que elas representavam de “serviço público de anos à comunidade”, mas mais ainda, pela imperiosa “necessidade de uma política estruturada e estruturante” da nossa vida teatral o exigir. E fiquei ainda mais revigorado quando a Senhora Ministra da Cultura o reafirmou. Porém, o projecto de modelo anunciado para a partir de 2022 vigorar não o confirma, antes o desmente, desde logo mantendo júris e em tudo mais parecendo um pneu careca recauchutado para enganar na inspecção, ao caso a da Senhora Ministra, certamente muito mal aconselhada. Além disso é bom dizer o óbvio: é que para sequer se chegar lá, seria necessário que, agora, não fossem as estruturas (como a Seiva Trupe) excluídas por esses mesmos júris; ou que, in extremis, solução ministerial, cuja há em se querendo, se salvassem as estruturas, sem mesmo tocar nos hediondos concursos.

É que, mais grave do que o factual, o que está por detrás é uma política assente na preferência pelo evento e não pela tal actividade estruturada e estruturante; por critérios de gosto e afinidades pessoais, e até geracionais, num total desrespeito pelo elemento público, sem o qual não chega a existir verdadeiramente teatro. É isto tudo tão grave, quanto grave é a atomização de verbas, que anula o efeito educacional e de valor repercutivo que se esperaria do investimento na cultura. Coisa que, ainda por cima, ao contrário da falácia em nome do que se tenta justificar o disparate, não fomenta o emprego artístico, antes agrava a falta dele, justamente porque tudo é solúvel e precário, a começar pelas estruturas, destruindo-se o tecido produtivo teatral. Ou seja, em suma, o que isto quer dizer é que o teatro, o financiamento do teatro com dinheiros públicos, não é olhado como um dever constitucional com uma indispensável componente de serviço à comunidade, mas apenas um expediente de adorno, com ‘a’ minúsculo. Como se, por redução ao absurdo, o Serviço Nacional de Saúde se pautasse pelo prazer da prática médica entre amigos e conhecidos da mesma escola e não de resposta às necessidades da saúde dos portugueses. (...)».

A propósito:

 


Jornal i | 10 DEZ 2020

 

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