sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

PARA A HISTÓRIA | Havia uma solução governativa das esquerdas quando a Cornucópia acabou


A verdade dos factos: é o PS que está no Governo, o que só é possível porque outras esquerdas o viabilizam, neste momento em que a Cornucópia anuncia o seu fim. E é isso que muitos estão a pensar neste momento e será isso que muitos irão lembrar para sempre. A Cornucópia acaba por razões nobres: por respeito pelo seu projeto e por respeito pelo seu público. Em boa verdade, em respeito pela arte e pela qualidade. De forma clara é dito por Luís Miguel Cintra, ao Observador:

 

“A Cornucópia vai fechar porque não há dinheiro para sermos a Cornucópia”



Mas diz muito  mais - ler esta entrevista é obrigatório - e dá-nos o  retrato sem retoques  da situação em que nos encontramos, como o mostra, por exemplo, a seleção de excertos que se seguem.
«Há três anos que a situação é esta: perdemos metade do nosso subsídio, a nível do apoio oficial, e querem que com essa metade consigamos fazer a mesma coisa. Ora já antes era muito pouco para fazer o tipo de trabalho que a Cornucópia faz. E, no fundo, fomos arrastando uma situação de precariedade.Não se deu por isso, porque tivemos coproduções com teatros nacionais, com o São Luiz, assim vamos poupando para conseguir fazer as coisas seguintes. Só que chegou a um extremo, não conseguimos mais. Podíamos partir, daqui para a frente, para uma situação absurda de termos uma casa a funcionar, termos pessoal competente para fazer as coisas e não termos dinheiro.
«No fundo, a gente escolheu fazer um teatro de encenador, é um teatro de texto, mas também de encenador e de cenografia e esse é um teatro que já está fora de moda. Sinto, agora falando de uma outra maneira, que há uma espécie de transformar em estética algo que é apenas precariedade, política de poupança e de gastos. Inclusive já se começa a dizer que o encenador morreu, o encenador não morreu, o que morreu foi a capacidade de financiar coisas mais complexas que implicam a existência de um encenador».
« Como a maioria da classe deixou de acreditar na capacidade de lutar contra qualquer coisa não se sente um movimento de estrangulamento na maior parte das pessoas. Ou pelo menos não é expresso. Parece que estaríamos sozinhos a lutar contra uma coisa que os outros aceitaram como possível, e que é possível. Já ninguém se importa de fazer um espetáculo que depois é representado três dias. Eu ficaria moribundo. Depois dizem que as casas estão cheias, pois estão, são três dias de espetáculo. “As Criadas”, no Teatro Nacional, está sempre cheio está sempre cheio… leva pouquíssimas pessoas, é na Sala Estúdio, feito em arena com um espaço muito pequeno. Deve ter para aí trinta ou quarenta pessoas. Com atrizes boas e um texto formidável, claro que esgota».
 Mas voltemos ao principio, a Cornucópia acaba porque não se está a cumprir o Programa do Governo para a Cultura, e porque a «geringonça», embora palavra a que  aqui no Elitario Para Todos não se aderiu,  é mesmo uma geringonça na cultura e nas artes. Os Partidos que apoiam a solução governativa não negociaram, não exigiram um Plano de Emergência para tirar a cultura e as artes da situação miserável em que se econtrava, e encontra, e que tanto denunciaram nos anos anteriores. As coisas são o que são, o que está a dar é isto:
-Um governante a dizer que a Cornucópia estava e podia continuar a ser apoiada, omitindo os cortes cerne do problema, no fundo acenando com uma lógica de inevitabilidades que  se julgava enterrada;
- Uma responsável da DGARTES em regime de substituição (que parece eternizar-se) que dá ideia de que os valores dos apoios mais altos são algo que devia ser impedido, que prometeu, quando assumiu o lugar,  lutar por aumentar um «bocadinho» o orçamento para as artes;
-Um Ministério da Cultura que se compromete ajudar a fechar a Cornucópia  - é penoso ler:  A tutela vai assegurar o aluguer do edifício "por um período de mais de um ano", de modo a assegurar que o processo de encerramento da Cornucópia decorra "nas devidas condições"-, mostrando que jamais se lembrariam de pensar em alguma «medida extraordinária» para reverter a situação. Não lhes ocorreu que não se pode tratar de forma igual o que é diferente. Que a Cornucópia é a excelência que devemos viabilizar a todo o custo;

 - O que está a dar são pessoas que pensam o que se pode ler na entrevista de Luís Miguel Cintra: «Sim, o que acontece é que sobretudo os mais novos, e as estruturas mais recentes, adaptaram-se facilmente. Participei numa sessão de discussão organizada no Teatro Nacional no tempo do Diogo Infante e da Maria João Brilhante que se chamava “Teatro e Economia”. O Tiago Rodrigues às tantas pediu a palavra e dizia que não era preciso financiamento do Estado às companhias independentes, era preciso era imaginação porque há muitas maneiras de ganhar dinheiro. E isso é relativo. Isso acontece a uma escala reduzida, o modelo de gestão vigente é parecer que se faz muito com pouco dinheiro».

A Cornucópia também fecha porque, por exemplo, a situção denunciada  pela Plateia  que noutros tempos provocaria um tumulto parece não ser ouvida por ninguém:

Daqui

 Mas que resignação é esta!


Sem comentários:

Enviar um comentário