Excerto:
«(...)
Apanhadas no turbilhão da covid, parte significativa
dessas populações teve de continuar a trabalhar. O seu trabalho não pode ser
feito a partir de casa e sem ele todos os cidadãos teriam ficado privados de
bens e serviços essenciais e impedidos de se confinarem. Encontraram, no seu
vaivém diário, transportes servidos a meio gás, muitas vezes apinhados como
dantes. Passaram os dias em espaços de trabalho sem a necessária higienização e
adequadas medidas de proteção, espaços esses tão congestionados como as festas
de aniversário de que o coronavírus gosta para proliferar.
Agora,
na Grande Lisboa, há mais contaminados que em todas as outras regiões. No
início da pandemia viveu-se essa situação nas periferias industriais da região
do Porto. E são tão patéticas as afirmações que no início da pandemia
insinuavam que a sua extensão no Norte era inerente a pressupostos défices
culturais da população, como aquelas que hoje atribuem as culpas do
alastramento na região de Lisboa aos descuidos dos cidadãos que aqui habitam.
Sem
diminuir a condenação de todos os descuidos e desrespeitos, há que dizer: o
problema central é nunca termos estado todos no mesmo barco. E o mais perverso
é que nas entrelinhas do discurso público se vão encontrando alusões, por
enquanto envergonhadas, a "bairros perigosos" e "classes
perigosas" que devem ser confinados com todo o rigor.
O
coronavírus é um vírus muito discriminatório: começa por preferir idosos e
pessoas com saúde frágil, gosta de trabalhadores das periferias urbanas, delicia-se
com imigrantes desprotegidos, com trabalhadores precários e temporários e,
vai-se lá saber porquê, até distingue ramos de atividade - a indústria de
processamento de carnes, a construção civil e, claro, os profissionais de saúde
e de prestação de cuidados a idosos. (...)».
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