«𝗔𝗱𝗲𝗹𝗮𝗶𝗱𝗲 𝗝𝗼𝗮̃𝗼, acabas de nos deixar, mas continuas connosco.
Que sorte tivemos em conhecer-te como mulher, como cooperante, como
grande atriz, como grande senhora do Teatro em Portugal no último
século.
Guardamos a belíssima fotografia de ti com bigode, sentada
sozinha numa plateia vazia construída com as velhas cadeiras do Teatro
Esther de Carvalho em Montemor-O-Velho. As palavras de Irene Lisboa
e o teu timbre tão característico ressoam ainda na nossa mente quando
te vemos rodeada pelos fantasmas que se sentavam à tua volta para
falarem contigo nesse espectáculo Mão Cheia de Nada (1995). Emocionante
desempenho que uma pessoa familiar da escritora nos confirmou como
parecendo ser o fantasma da própria Irene Lisboa.
Não esquecemos a
tua curiosidade artística quando te decidiste juntar a um projeto tão
peculiar como o do Teatro O Bando em 1990. Nunca dizias a tua idade, ou
melhor, mentias descaradamente. Hoje é fácil fazer as contas. Em 1990
tinhas já 69 anos. Nesse ano criámos contigo dois espetáculos
paradigmáticos: A Terceira Margem Do Rio onde dizias o belíssimo texto
de João Guimarães Rosa e Os Bichos onde num banco de jardim, pendurada a
quatro metros de altura, representavas a personagem da “Cigarra”
inventada por Miguel Torga. Era a primeira vez que te vias confrontada
com um Teatro que exigia saber-se fazer escalada. Não recuaste.
Assustaste-te com o teu corpo pesado e nós com a tua aflição mas, quando
pousaste os pés ao fundo da falésia disseste: rejuvenesci vinte anos.
Tinhas razão. Quando superamos os limites que a nós próprios impomos,
ganhamos uma nova vida como dizem que os gatos ganham.
Andaste toda
desembaraçada no sidecar de uma mota em Merlim (2000) quando fazias essa
tua provocante Morgausa. Tu, que não gostavas de ir à praia e até te
faltava o ar quando molhavas os pés, andaste com água pelo pescoço no
lago da Gulbenkian a gritar poemas de António Ramos Rosa. Este Borda
D’Água (1992) que enaltecia a entidade mítica da água também aconteceu
na Exposição Mundial de Sevilha no meio de uma multidão que parava sobre
as pontes para te ver passar em cima daquela estranha e inesperada
jangada com cem metros de comprimento puxada ao longo do canal por uma
única personagem.
Também viajaste num comboio a vapor fazendo o
papel de uma das três manas do padre Simas que constam em Gente Singular
(1993). Delicioso e absurdo texto de Manuel Teixeira Gomes que
convocava um conjunto de distintas personalidades algarvias para
inaugurarem o primeiro autoclismo. O público tinha de escolher uma das
três carruagens que partiam de Entrecampos para Campolide e tu tinhas
direito a uma carruagem do princípio do século só para apresentar essa
tua vibrante personagem da “Sebastiana”. O teu trabalho de atriz
manifestava-se aqui, mais uma vez, como tu bem sabias: nunca mais o
poderíamos esquecer.
Adelaide João, querida amiga, também não
esquecemos que tu nunca te esquecias dos aniversários dos outros e dos
filhos dos outros numa altura em que não existiam redes sociais para
automaticamente nos avisarem dessas datas. Abnegada trabalhadora,
resiliente operária da cultura, nunca deixaste de refilar quando te
apetecia e de tomar uma posição inequivocamente de esquerda quando era
necessário.
Grande mulher, carismática atriz, no Teatro O Bando e no coração dos teus amigos terás sempre reservado o teu lugar».
𝐉𝐨𝐚̃𝐨 𝐁𝐫𝐢𝐭𝐞𝐬
𝘛𝘦𝘢𝘵𝘳𝘰 𝘖 𝘉𝘢𝘯𝘥𝘰
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