quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

«𝗔𝗱𝗲𝗹𝗮𝗶𝗱𝗲 𝗝𝗼𝗮̃𝗼, acabas de nos deixar, mas continuas connosco»

 



«𝗔𝗱𝗲𝗹𝗮𝗶𝗱𝗲 𝗝𝗼𝗮̃𝗼, acabas de nos deixar, mas continuas connosco.
Que sorte tivemos em conhecer-te como mulher, como cooperante, como grande atriz, como grande senhora do Teatro em Portugal no último século.
Guardamos a belíssima fotografia de ti com bigode, sentada sozinha numa plateia vazia construída com as velhas cadeiras do Teatro Esther de Carvalho em Montemor-O-Velho. As palavras de Irene Lisbo
a e o teu timbre tão característico ressoam ainda na nossa mente quando te vemos rodeada pelos fantasmas que se sentavam à tua volta para falarem contigo nesse espectáculo Mão Cheia de Nada (1995). Emocionante desempenho que uma pessoa familiar da escritora nos confirmou como parecendo ser o fantasma da própria Irene Lisboa.
Não esquecemos a tua curiosidade artística quando te decidiste juntar a um projeto tão peculiar como o do Teatro O Bando em 1990. Nunca dizias a tua idade, ou melhor, mentias descaradamente. Hoje é fácil fazer as contas. Em 1990 tinhas já 69 anos. Nesse ano criámos contigo dois espetáculos paradigmáticos: A Terceira Margem Do Rio onde dizias o belíssimo texto de João Guimarães Rosa e Os Bichos onde num banco de jardim, pendurada a quatro metros de altura, representavas a personagem da “Cigarra” inventada por Miguel Torga. Era a primeira vez que te vias confrontada com um Teatro que exigia saber-se fazer escalada. Não recuaste. Assustaste-te com o teu corpo pesado e nós com a tua aflição mas, quando pousaste os pés ao fundo da falésia disseste: rejuvenesci vinte anos. Tinhas razão. Quando superamos os limites que a nós próprios impomos, ganhamos uma nova vida como dizem que os gatos ganham.
Andaste toda desembaraçada no sidecar de uma mota em Merlim (2000) quando fazias essa tua provocante Morgausa. Tu, que não gostavas de ir à praia e até te faltava o ar quando molhavas os pés, andaste com água pelo pescoço no lago da Gulbenkian a gritar poemas de António Ramos Rosa. Este Borda D’Água (1992) que enaltecia a entidade mítica da água também aconteceu na Exposição Mundial de Sevilha no meio de uma multidão que parava sobre as pontes para te ver passar em cima daquela estranha e inesperada jangada com cem metros de comprimento puxada ao longo do canal por uma única personagem.
Também viajaste num comboio a vapor fazendo o papel de uma das três manas do padre Simas que constam em Gente Singular (1993). Delicioso e absurdo texto de Manuel Teixeira Gomes que convocava um conjunto de distintas personalidades algarvias para inaugurarem o primeiro autoclismo. O público tinha de escolher uma das três carruagens que partiam de Entrecampos para Campolide e tu tinhas direito a uma carruagem do princípio do século só para apresentar essa tua vibrante personagem da “Sebastiana”. O teu trabalho de atriz manifestava-se aqui, mais uma vez, como tu bem sabias: nunca mais o poderíamos esquecer.

Adelaide João, querida amiga, também não esquecemos que tu nunca te esquecias dos aniversários dos outros e dos filhos dos outros numa altura em que não existiam redes sociais para automaticamente nos avisarem dessas datas. Abnegada trabalhadora, resiliente operária da cultura, nunca deixaste de refilar quando te apetecia e de tomar uma posição inequivocamente de esquerda quando era necessário.
Grande mulher, carismática atriz, no Teatro O Bando e no coração dos teus amigos terás sempre reservado o teu lugar».

𝐉𝐨𝐚̃𝐨 𝐁𝐫𝐢𝐭𝐞𝐬
𝘛𝘦𝘢𝘵𝘳𝘰 𝘖 𝘉𝘢𝘯𝘥𝘰

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Tirado daqui.

 

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