Há entrevistas e entrevistas ... A de Eugénio Lisboa conduzida por Pedro Mexia é, a nosso ver, daquelas que justificam a compra de um jornal. Saiu no Expresso desta semana, ou seja, de 26 FEV 2021.Começa assim: «Aos 90 anos, Eugénio Lisboa mantém a curiosidade e a vivacidade intactas. Tal como nos seus tempos moçambicanos, há décadas, continua a envolver-se em polémicas, que não procura, diz, mas que nunca recusa. Recentemente, destoou daquilo a que chamou o “unanimismo” em torno de Eduardo Lourenço, escrevendo na coluna que mantinha no “Jornal de Letras” um artigo que seria, por sua vontade, o último. Também publicou um livro de poemas, alguns de escárnio e maldizer, e tem perturbado as boas almas com a convicção de que estética e moralidade são esferas autónomas.
Recebe-nos no seu apartamento em São Pedro do Estoril, com livros, discos, DVD, jornais e revistas por todo o lado. E durante duas horas regressa ao “paraíso” que era a Lourenço Marques da infância e juventude, aos combates do fim do Império e ao fim abrupto, doloroso, quando teve de escolher uma nacionalidade, embora se sentisse tão africano quanto europeu. Engenheiro de profissão, activíssimo na vida cultural moçambicana, foi depois professor em universidades portuguesas e estrangeiras e durante 17 anos conselheiro cultural da nossa Embaixada em Londres, tendo contribuído decisivamente para a edição inglesa de muitos clássicos portugueses.
A sua ininterrupta colaboração na imprensa está reunida em várias colectâneas de crítica e ensaio, como “Crónica dos Anos da Peste”, “As Vinte e Cinco Notas do Texto”, “Portugaliae Monumenta Frivola”, “O Objecto Celebrado”, “Indícios de Oiro” e “Uma Conversa Silenciosa”. Escreve desde 1957 sobre José Régio, de quem foi amigo e é defensor intransigente. Entre 2012 e 2017 publicou as suas memórias, “Acta Est Fabula”, em seis volumes. E é fácil percebermos que podiam ser muitos mais. (...).
Já vamos falar dele. Imagino que, para o Craveirinha, numa certa fase, essa distinção entre a escrita e a intervenção não fosse tão evidente.
A escrita do Craveirinha tinha muitos aspectos, explícitos ou metafóricos, de intervenção. Aliás, passou-se uma coisa muito curiosa que aproveito para contar aqui. Quando o Craveirinha foi julgado em tribunal militar, tribunal de excepção, acusado de antiportuguesismo — porque ele era suspeito de querer a independência —, eu fui lá como testemunha abonatória. Era amigo do Craveirinha há muitos anos e, perante o juiz militar, que era um indivíduo convicta e seriamente aderente do Estado Novo (não era um oportunista, acreditava mesmo naquilo), eu disse esta coisa muito simples: “Oiça, não convém confundir o desejo de uma alteração político-administrativa num território com antiportuguesismo, porque, se vocês repararem, há pouca gente que goste tanto da língua portuguesa quase sensualmente como o Craveirinha. Um indivíduo destes não pode ser antiportuguês. Pode ser contra o regime que nos governa, mas isso não tem nada que ver com Portugal.” O juiz militar ouviu com muita atenção o que eu lhe disse — antes de dar a sentença, uma pessoa minha amiga viu-o na igreja com ar de grande angústia — e depois foi um dos que votou pela absolvição do Craveirinha. Por conseguinte, convém não confundir questões políticas, questões de território, com questões de amor intenso a uma cultura ou a uma língua. (...)»
E dos destaques, por exemplo, este que se pode generalizar a outros campos:
Bom, o que mais podemos dizer, se puder não perca.
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