Excerto: «(...)António Costa, de bazuca em punho, aponta para onde Bruxelas lhe manda apontar mas bem podia procurar apontar para um alvo que não existe, o de uma política cultural estruturante que não se consegue enxergar por não existir, depois de décadas de desinvestimento na cultura enquanto serviço público, atirando-a para a fogueira unidimensional do mercado. Uma deriva vulgar do capitalismo neoliberal, comum aos partidos que se alternam no poder, em que o mercado de bens culturais de consumo se sobrepõe à intervenção estatal, mesmo e quando o Estado continua a subsidiar algumas dessas actividades, sempre abdicando de promover políticas culturais e de democratização da cultura, em que a política não deve colonizar a cultura, fazendo desta um fim da outra, mas sem criar uma fractura magmática entre as duas. A mantra é a de uma neutralidade cultural, como se a cultura não tivesse nada a dizer sobre a política, nem a política à cultura. O que resulta são uns sucedâneos culturais, os eventos culturais que navegam nas ondas das modas geracionais e multiculturais, com a consequente universalidade de uma uniformidade cultural em que os produtores são subalternizados pelos consumidores.
A cultura, que deveria assegurar o direito de todos ao acesso, à criação e à fruição cultural, ser elemento central na formação da consciência das identidades nacionais e das soberanias, dialogando de igual para igual com a cultura de todos os povos do mundo, tornou-se numa vulgar mercadoria, sujeita à lógica mercantilista que o capitalismo neoliberal procura impor a todas as esferas da actividade social e humana, pelo que as políticas culturais que os estados deviam promover subordinam-se às normas do mercado, que não conhece outra lógica que não seja a do que é vendável, o seu único critério de excelência, que reduz o juízo crítico a uma espécie de crónica de promoção publicitária das artes e dos artistas sem colocar questões de ordem estética, poética ou até relacionadas com as histórias de arte. Essa acaba por ser a questão central subjacente nas preocupações e nas frustrações expressas nas duas cartas, que sentem estar a ser perdida a oportunidade de dar um futuro e um novo rumo à cultura depois de uma longa paragem que deveria ter servido para pensar e reflectir de como alterar um universo que tem estado centrado numa produção cultural predominante consumível em que o entretenimento, pronto a usar e a esquecer, é dominante drapeado com as cores da moda de garantida obsolescência impressas nas máscaras do carnavalesco desfile de auras artísticas das Indústrias Culturais e Criativas (ICC), em que as actividades e produções criativas com um fundo e uma preocupação estética e artística são cada vez mais raras, são cada vez mais excepções no panorama geral da oferta cultural, bem representadas pelos agentes, artistas e personalidades culturais subscritoras da carta à ministra da Cultura e ao primeiro-ministro. (...)». Leia na integra.
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