segunda-feira, 8 de abril de 2024

É TÃO BOM QUE NOS ESCREVAM SOBRE TEATRO | obrigado!, António Carlos Cortez | APROVEITE GOVERNO. ALÉM DO ENCANTAMENTO DA ESCRITA PODE DAR AÇÃO PARA O PROGRAMA DE V. EXCELÊNCIAS QUE NOS DIZEM VÃO APRESENTAR ESTA SEMANA ...

 


É difícil escolher um destaque, porque todo o texto nos prende, mas ainda assim aqui está esta passagem:«(...) Há no teatro uma magia inexplicável que decorre da junção de três ou quatro grandes cruzamentos: o trabalho do texto, isto é, o modo como um dramaturgo compõe um universo de personagens que deve ser verosímil e criativo; o trabalho do encenador - que deve respeitar o texto e, simultaneamente, conduzir os actores que dão corpo às palavras e gestos aos pensamentos implícitos que essas palavras sugerem a um desempenho superior do texto - e, por fim, o trabalho dos que ficam responsáveis pelos adereços e pela música (quando existe). O teatro, tal como o ballet, é uma arte total e por isso é que, na educação em todos os graus de ensino, deveria haver um Plano Nacional de Ensino do Teatro. Por aí se poderiam estudar a Literatura e a História, aprender a linguagem do corpo e aprender a respeitar o corpo (hoje tão vilipendiado e banalizado). Com o teatro, superior forma literária, aprender a dizer com calma e boa dicção palavras com peso, conta e medida. O teatro… Recordo aulas que dei lendo, numa espécie de encenação feita no momento, e que se prolongava por seis aulas de 90 minutos, em vozes que eram a minha com as dos meus alunos - recordo o modo como aprendíamos a comentar a obra-prima do teatro romântico português, o Frei Luís de Sousa. As cenas do clímax, Acto II, cenas XIII a XV, com Frei Jorge, Madalena e o Romeiro falando entre si num crescendo de tensão dramática que culmina na célebre estirada: “Romeiro, Romeiro! Quem és tu?” e a resposta desse fantasma vindo do passado: “Ninguém!”, ao mesmo tempo que dizendo ser ninguém aponta para o seu retrato de há 21 anos, quando ele, o Romeiro, tinha sido Dom João de Portugal. Peça que se tirou do 11º ano, num gesto incompreensível de mutilação da formação dos estudantes. Que professores concordam com esse roubo? Pensar Portugal, não por acaso alegorizado nesse Romeiro/ D. João  que perde a identidade e diz ser “Ninguém” - não é essa uma das mensagens de Garrett para o nosso tempo? Não nos avisava ele dos perigos dum país à deriva, conduzido por elites iletradas? Ler essa peça e fazer com que regresse ao ensino - é urgente, pois, como outras, são textos que nos ajudam a construir a cidadania. Nós, em 2024, poderíamos todos repetir com o Romeiro quem somos: “Ninguém”, olhando para um retrato antigo, o da nossa identidade perdida no tempo em que a própria Europa se perde de si, uma vez mais… (...)».


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