«(...) Passados
50 anos, como estão a viver os tempos de hoje?
ML – Estou preocupado…
PB – O mundo mudou muito. A
principal diferença relativamente a há 50 anos é a aceleração, principalmente
nos últimos 30, 20 anos. Ela é de tal ordem – e acho que isso traduz a
preocupação de que o Mário fala – que a gente não tem tempo para assimilar nada.
E até o pensamento crítico se perdeu. No caso específico das artes, houve
sempre uma componente crítica, mas informada, não é dizer mal ou dizer bem, é
saber do que se está a falar. Isso desapareceu. Hoje há “comentadores”, uns
mais informados do que outros, claro, mas o mundo acelerou tanto que se perdeu
o tempo de reflexão.
Mário Laginha e Pedro Burmester em entrevista: uma cumplicidade firmada na
liberdade da música
ML – Não quero ficar pelos
lugares-comuns, mas nós pertencemos a uma geração que viveu um período muito
bom, mesmo se não é perfeito. Sem o 25 de Abril, não teria sido músico de jazz,
por exemplo… O jazz não chegava a Portugal…
Mário Laginha e Pedro Burmester em entrevista: uma cumplicidade firmada na
liberdade da música
Chegava com o Luís Villas Boas…
ML – Sim. Apareceu esse
“louco”, no melhor dos sentidos, que tinha uma paixão tal que conseguiu fazer
um festival de jazz [em Cascais]. E o jazz começou depois a ter mais gente,
mesmo se já tinha antes do 25 de Abril. Foi um período de esperança. Aquilo que
faz com que o presente seja melhor não é que tudo esteja resolvido, é sentirmos
esperança. O país é melhor agora, há mais gente a viver bem do que há 50 anos,
o grau académico aumentou, as pessoas sabem ler e escrever, quando então havia
uma percentagem de analfabetos, imensa. Mas tenho dificuldade em perceber a
atracção que as pessoas agora têm por uma direita, por alguém de pulso de
ferro. Mesmo se isto não é uma coisa portuguesa, há em países como aqueles em
que se vive melhor, os nórdicos, com um estado social muito forte. E isso
preocupa-me, porque temos filhos e netos…
PB – Isto tem também a ver com
a mudança rápida de que estava a falar. O ano de 2024 é igual para todos, mas a
tua análise sobre a esperança ou a falta dela é uma, falando aqui, é outra,
falando no Peru; outra, falando no Senegal, ou no Laos… Não sei se nesses lados
há tempos de esperança. É preciso relativizar as coisas. Estes saltos tão
rápidos, muitas vezes deixam pessoas para trás, e não me refiro só à questão
social, ou da justiça ou da riqueza, mas também à cultura. Se calhar, às vezes,
também temos de andar todos um bocadinho para trás, para levarmos depois mais
gente para a frente. E aí a esquerda tem alguma culpa, ao achar que nós é que
estamos certos e os outros estão errados. O mundo não é a preto e branco.
ML – Mas há agora muita música
popular em que se criou uma exigência de haver um lado visual. A sociedade
tornou-se tão visual…
No seu caso, o jazz é, por definição, a
expressão da liberdade, do improviso.
ML – A arte contém a liberdade,
de alguma forma. Uma pessoa não consegue criar se se sentir presa a parâmetros,
a conceitos. Se não quiser nunca pô-los em causa, provavelmente não vai
acontecer nada de verdadeiramente artístico. Concordo, e tenho estado também a
pensar nisto que o Pedro estava a dizer. Para mim, tornou-se uma espécie de
obrigação, entre as pessoas com quem contacto – e algumas das “vítimas” são
mesmo os meus filhos –, dizer-lhes isto: “Antes de responderem que não gostam,
experimentem, conheçam”. O conhecimento é o melhor passo para uma pessoa ter
ideias, pensar com mais propriedade e sustento. Se não, é a “carneirada” –
mesmo se não gosto de usar esse termo depreciativo. A gente abre a televisão e
é só mainstream. Isso foi das piores
coisas que aconteceram com o capitalismo, com a lei do mercado. O share na televisão deu cabo de tudo
o que era mais alternativo. Disso tenho medo, porque a diversidade era boa. (...)».
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